segunda-feira, 13 de setembro de 2010

A África antiga




A grande maioria das populações africanas empregadas como mão-de-obra escrava no empreendimento colonial americano foi trazida de regiões da África Subsaariana. Compreendendo uma extensão que vai do Senegal até a Angola, diversas populações subsaarianas, pertencentes ao tronco lingüístico banto, se fixaram ao longo das regiões de savana formando diferentes culturas. As aldeias ali formadas surgiam em terrenos onde a caça e a agricultura se mostravam mais viáveis.

Esse tempo em que as aldeias se formaram foi marcado por diferentes deslocamentos populacionais motivados por conflitos tribais, desastres naturais ou crescimento demográfico. Ao longo de sua história, diversas tribos passaram a entrar em contato e, posteriormente, formaram pequenos Estados. Essa primeira experiência política mais complexa possibilitou o desenvolvimento de um articulado comércio de gêneros agropecuários.

As condições hostis dessa região acabaram sendo propulsoras de uma série de práticas que marcaram os costumes destes povos africanos. As doenças e intempéries climáticas faziam com que a capacidade de manter uma prole extensa fosse extremamente valorizada. A virilidade sexual era compreendida como um dado que distinguia socialmente os indivíduos. A título de exemplo, observa-se a grande recorrência de esculturas representando a figura de mulheres grávidas.

De forma geral, a economia se organizava em torno da posse coletiva das terras. Um chefe tribal ordenava a distribuição de lotes de terra mediante o pagamento de uma determinada tributação. A divisão de tarefas no trabalho agrícola contava com a participação de homens e mulheres. As famílias agregavam uma ampla extensão de indivíduos que englobava filhos, esposas, parentes mais pobres, agregados e escravos. A prática da escravidão nessas culturas contava com uma complexa organização.

Os escravos mais prestigiados eram utilizados para os combates militares entre as tribos rivais. Outra parcela de escravos trabalhava junto aos camponeses e acabavam sendo incorporados ao ambiente familiar. Alguns escravos chegavam a desfrutar de alguns privilégios e poderiam até mesmo ter algum tipo de posse. A inserção social de escravo só não acontecia na livre escolha de uma esposa ou na participação das questões políticas.

As práticas religiosas destas tribos africanas contavam com uma grande variabilidade de crenças. Um exemplo dessa questão pode ser claramente observado nas concepções que regiam a relação dos indivíduos com a natureza. Em algumas culturas, as manifestações naturais eram temidas e vistas como uma conseqüência direta do comportamento dos deuses. Dessa forma, diversos rituais eram desenvolvidos com o propósito de apascentar tais forças. Em outras culturas, animais eram compreendidos como representantes de determinadas virtudes e características.

A partir do processo de expansão marítima empreendido pelas nações européias e o desenvolvimento do tráfico negreiro, diversas dessas culturas foram profundamente transformadas. No ambiente colonial, várias das tradições foram reinterpretadas à luz das demais culturas que conviviam no continente americano. Contudo, as poucas características aqui levantadas sobre as culturas africanas, demonstram a existência de todo um modo de vida rico e diverso, estabelecido antes do contato com o “europeu civilizado”.
Idade Contemporânea

No fim do século XVIII a política napoleônica dirigiu-se ao norte da África. Bonaparte, pretendendo transformar o Mediterrâneo em um lago francês,] isolando o poderio inglês das rotas do Oriente, lançou-se ao Egito em1798. Embora terminasse derrotado, tirou o poder aos mamelucos e abriu caminho para o renascimento egípcio. Em 1805, Maomé-Ali fez-se reconhecer paxá pelo sultão turco, que exercia poder nominal sobre o norte da África. Chefe da milíciaalbanesa, fortaleceu o seu poder a partir de 1811, liquidando os restos do poder mameluco.[17] Organizou um Estado centralizado e com o concurso de estrangeiros preparou enorme exército e grande esquadra e reorganizou a indústria e a agricultura. Seguindo uma política expansionista, Maomé-Aliconquistou Senar e Kordofan, criou Kartum e auxiliou a Turquia na sua tentativa de reprimir a insurreição grega. Em 1840, a Inglaterra obstou suas pretensôes sobre a Síria. Seus sucessores desbarataram os recursos do Egito e os financistas internacionais dominaram o país. A Inglaterra opôs-se à abertura do canal de Suez, mas acabou possuindo a maioria das ações do canal, abrindo novas perspectivas para o comércio com o Oriente O fim do século XIX marcou nova perda da independência política do Egito, com o enfraquecimento do império otomano e o domínio britânico.
Na África do Sul os ingleses anexaram o Cabo e, juntamente com os bôeres, apropriaram-se das melhores terras dos nativos. A interferência de missionários protestantes levou à extinção daescravidão. A pressão inglesa determinou a emigração em massa dos bôeres para a região dos rios Vaal e Orange (1834-1848), fundando-se dois Estados: Orange e Transvaal. Os choques com os zulus (grupo banto) multiplicaram-se, tendo os nativos formando uma confederação de tribos, chefiados por Chaka, defendendo-se tenazmente.
Em 1830, os franceses invadiram a Argélia] e iniciaram a colonização nos governos de Luís Filipe e Napoleão III. A Berberia islamizada vem resistindo nestes dois séculos à dominação europeia. O grande chefe berbere foi, no século passado, Abd el-Kader, que levantou as tribos em guerra santa. Em 1847, a colônia que filantropos americanos haviam fundado entre Serra Leoa e Costa do Marfim transformou-se na república negra da Libéria.
No século 16, as invasões portuguesa e marroquina iniciaram a desestruturação dos reinos e impérios ao sul do Saara — onde havia cidades de mais de 100 mil habitantes. Após três séculos de guerras, e escravidão ocidental e árabe, a população estaria reduzida a um quarto da original e as sociedades, arrasadas.
No século 16, na maior parte das regiões da África subsaariana, existiam cidades de tamanho considerável para a época (de 60 mil a 140 mil habitantes ou mais), aldeias grandes (de mil a 10 mil habitantes), parte de reinos e impérios notavelmente organizados, territórios de habitat disperso denso. É isso que revelam os vestígios e escavações arqueológicas, bem como as fontes escritas, tanto externas (árabes e européias, anteriores a meados do século 17) como internas (autóctones, escritas em árabe, língua da religião, ou no latim da Europa). A agricultura, criação de animais, caça, pesca, artesanato muito diversificado (tecidos, metais, cerâmica etc.), navegação fluvial e lacustre, comércio local e distante, com moedas específicas, eram bem desenvolvidos e ativos.
A partir do século 16, a situação modifica-se radicalmente. Os portugueses penetram ao sul da foz do rio Congo, conquistam Angola, destróem os principais portos da costa oriental e alcançam o atual território de Moçambique. Os marroquinos atacam o império songai, que resiste durante nove anos. Os agressores dispõem de armas de fogo; os subsaarianos, não. Milhares de habitantes são mortos ou capturados e condenados à escravidão. Os vencedores se apossam de tudo: homens, animais, provisões, objetos preciosos e o que mais possam pegar.
Reinos e impérios são pulverizados em principados — levados a guerrear com freqüência cada vez maior, a fim de ter prisioneiros que possam ser trocados, principalmente por fuzis, indispensáveis na defesa e no ataque. Populações são deslocadas — provocando novos choques, campos de refugiados, a propagação de um estado de guerra latente até o coração do continente. As investidas militares multiplicam-se, ao ponto de atingir, no nordeste da África Central do início do século 19, o número de 80 por ano, segundo o erudito tunisiano Mohamed el Tounsy, que viajou por Darfur e Ouaddaï (atual Chade) nessa época . A porcentagem de cativos em relação ao conjunto da população aumenta continuamente, entre o século 17 e o fim do 19. “Distritos outrora densamente povoados foram reconquistados pelo mato” ou pela floresta .
O início do século XIX caracteriza-se por um aguçamento dos nacionalismos. E não só na Europa, mas também nas duas margens mais ao sul do Atlântico. Na América, as colônias espanholas e portuguesa independentizam-se; na África, os grandes agrupamentos étnicos se consolidam.
O Oitocentos é também o século em que o Reino Unido procura fazer do Atlântico um mar inglês; o século em que se destrói o tráfico triangular entre a Europa, a América e a África e em que se desfazem as ligações bilaterais entre os dois últimos continentes; o século em que as sociedades africanas, até então fora das grandes rotas do caravaneiro e do navegador, começam a integrar-se, ainda que de modo imperfeito, nas estruturas políticas mundiais.
Na realidade, a África só abria para o exterior um pouco da casca. Assim fora desde sempre. O estrangeiro se parava no Sudd, ao sul da Núbia, em Ualata, Gana, Gaô, Tombuctu e outros caravançarais do Sael, em Quiloa, Mombaça, Angoche, Zanzibar e iguais feitorias do Índico e, desde a abertura do Atlântico, nos entrepostos e fortins de Bissau, El Mina, Ajudá, Luanda, Benguela e tantos mais. Até meados do século XIX, o europeu só avançava alguns passos para fora de seus muros e paliçadas em algumas poucas áreas e, na maior parte dos casos, com o consentimento e o apoio dos africanos, ou sob sua vigilância.
Isso não impediu que se fossem estabelecendo, desde o século XVII, mas sobretudo a partir do XVIII, fortes vínculos entre certos pontos do litoral africano e as costas atlânticas das Américas, como conseqüência do tráfico de escravos. O comércio de braços humanos não aproximou apenas as praias que ficavam frente a frente, mas estendeu sertão adentro o seu alinhavado, uma vez que muitos dos escravos trazidos para o Brasil e que foram trabalhar em Minas ou Goiás vieram de regiões do interior do continente africano, das savanas e das bordas dos desertos. Não eram, portanto, falsos, como pareceram a tantos leitores e críticos, os versos em que Castro Alves se referia a escravos como vindos de regiões áridas. O poeta, que tinha familiares envolvidos no tráfico, sabia do que falava, quando em O Navio Negreiro, descreveu os cativos a dançarem no convés como "os filhos do deserto / onde a terra esposa a luz, / onde voa em campo aberto / a tribo dos homens nus ..." Ou quando, em A Canção Ao Africano, disse, da terra deste, que ''o sol faz lá tudo em fogo, / faz em brasa toda a areia''.
Ainda que os contatos diretos entre europeus, americanos e africanos não passassem, na África, muito além da linha em que findavam as praias, as notícias esgarçavam-se pelo interior e certas novidades, e só certas novidades, expandiam-se rapidamente. Assim, a África recebeu e africanizou a rede, a mandioca e o milho, enquanto o Brasil e Cuba faziam seus o dendê, a malagueta e a panaria da Costa.
As trocas deram-se nas duas direções, e a cada um dos lados do Atlântico não era de todo desconhecido e indiferente o que se passava no outro. A independência do Brasil, por exemplo, não ficou despercebida na África — e o prova terem sido dois africanos os primeiros reis a reconhecê-la, o Obá Ósemwede, do Benim, e o Ologum Ajan, de Eko, Onim ou Lagos. Em Angola, os acontecimentos de 1822 tiveram enorme impacto, chegando a gerar uma corrente favorável à separação de Portugal e à união ao Brasil.
No território brasileiro, reis e nobres africanos, vendidos por seus desafetos como escravos, buscaram, algumas vezes, reconstruir as estruturas políticas e religiosas das terras de onde haviam partido. Isso terse-ia verificado — para citar o caso mais conhecido — com Nan Agotiné, a mãe do rei Guezô, do Danxomé, Dangomé, Daomei ou Daomé. Passada às mãos dos traficantes pelo rei Adandozã, ele teria refeito os seus altares e a sua Corte na Casa das Minas (ou Querebetam de Zomadonu), em São Luís do Maranhão. Outros sonharam voltar à África e reconquistar as posições perdidas, não se excluindo que hajam conspirado para isso. Não faltaria quem lhes levasse as mensagens a adeptos e descontentes na terra natal, pois a tripulação dos navios negreiros era em grande parte africana. Um desses príncipes quase logrou tornar real o sonho. Chamava-se Fruku, no Danxomé, e foi vendido ao Brasil pelo rei Tegbesu, provavelmente para permitir que Kpengla ascendesse ao trono. Viveu no Brasil vinte e quatro anos e voltou à Costa dos Escravos com o nome de Dom Jerônimo. E como Dom Jerônimo, o brasileiro, o príncipe Fruku disputou o trono do Danxomé, após a morte de Kpengla, em 1789, e só por pouco o perdeu para Agonglo.
Repito: muito do que se passava na África Atlântica repercutia no Brasil, e vice-versa. Os contatos através do oceano eram constantes: os cativos que chegavam traziam notícias de suas nações, e os marinheiros, os mercadores e os ex-escravos de retorno levavam as novas do Brasil e dos africanos que aqui viviam para uma África que era ainda, no início do século XIX, um continente sem senhores externos.
De colônias havia somente o Cabo da Boa Esperança e as possessões portuguesas. Não tinham elas, porém, as dimensões territoriais com que figurariam depois nos mapas. Cada uma era apenas uma coleção de pequenas cidades, vilas, vilarejos e entrepostos comerciais, com restrito acesso às terras que a circundavam e ainda menor controle efetivo sobre elas. Os numerosos estabelecimentos europeus encravados em outros pontos da Costa pagavam aluguel ou direitos de comércio aos reis, régulos ou chefes locais. Feitorias mercantis, quase todas dedicadas primordialmente ao tráfico negreiro, como Saint-Louis, Goréa, Cachéu, Bissau, El Mina e Cape Coast, suas populações continham pequena quantidade de mulatos. Esses eram mais numerosos nas comunidades fundadas por ex-escravos retornados do Brasil, Cuba e Venezuela, como Atouetá e Porto Seguro, e nos bairros brasileiros de Acra, Agoué, Ajuda, Porto Novo, Badagri e Lagos. Havia ainda o caso especial de Freetown, na Serra Leoa, onde os ingleses colocaram, como colonos, no reino temne de Koya, ex-escravos que combateram ao lado deles na guerra pela Independência dos Estados Unidos. O exemplo seria seguido, mais tarde, em Bathurst, Monrovia e Libreville. Esses refúgios para ex-escravos transformaram-se em embriões de colônias — a da Serra Leoa já em 1808 — e de uma república nos moldes americanos, a da Libéria.
A presença européia na África era, portanto, muito limitada. Discreta. Não se comparava à do Islame, que desde o século IX, atravessara o deserto e se fora lentamente derramando pelo Sael e a savana. Nos começos do século XI, os reis de Gaô e do Tacrur já eram muçulmanos e, na segunda metade do XIII, um mansa, ou soberano do Mali fazia a peregrinação a Meca. No Duzentos, Tombuctu e Jenné tornaram-se importantes centros de saber islâmico, seus passos sendo seguidos, mais tarde, pelos burgos amuralhados dos hauçás. No início do século XIX, das savanas no Senegal ao planalto do Adamaua, as instituições políticas aspiravam a ajustar-se ao modelo muçulmano, e ás elites liam o árabe e estudavam o Alcorão, ainda quando as massas continuassem fiéis às crenças tradicionais. Em muitos lugares, muito antes do primeiro pregador muçulmano, chegavam do Egito, da Líbia, do Magrebe ou do Sael islamizado o turbante, a sela com estribo, certos modos de vida e até mesmo um volume do Alcorão, com o prestígio de objeto mágico.
Também a abertura dos litorais atlânticos teria efeitos muito mais profundos sobre a África do que faria prever a diminuta presença humana européia nas franjas do continente. Pela difusão das plantas americanas, como a mandioca e o milho, que alteraram substancialmente a dieta de numerosas populações. Pela introdução das armas de fogo. Pelo surgimento de nova e crescente demanda de escravos, mais dinâmica do que as do Magrebe, do Oriente Médio e do índico. E pela atlantização de boa parte do comercio à distancia, com perda para as rotas caravaneiras do Sael e do deserto e para as estruturas políticas que delas dependiam.
Os mercados transatlânticos tornaram-se mais importantes do que os antigos mercados transarianos. A vinculação floresta-savana-Sael-deserto, através da qual desaguavam o ouro, a cola e o escravo, passou a ter de competir com a ligação savana-floresta-praia. Acentuaram-se, conseqüentemente, os liames entre os vários pontos do litoral atlântico e tornaram-se mais intensas as atividades ao longo da costa, as viagens de praia a praia que fizeram famosos os crus da Libéria, com suas longas pirogas. Elas deram renome não só a eles, mas também a tantos outros, como os ijós do delta do Niger, cujas almadias assim descreveu, no Esmeraldo de Situ Orbis, mal entrado no século XVI, Duarte Pacheco Pereira: "Todas feitas de um pau (...), algumas delas há tamanhas que levarão oitenta homens, e estas vêm de cima deste rio (o Real), de cem léguas e mais, e trazem muitos inhames (...) e muitos escravos e vacas e cabras e carneiros''.
Tal qual sucedera, vários séculos antes, com a chegada do cavalo como animal de guerra às estepes ressequidas e às savanas da África Ocidental, as armas de fogo alteraram as táticas de guerra e as relações de força interafricanas. Cresceu o poder centralizador dos reis, que monopolizavam o comércio externo e, portanto, o acesso aos mosquetes e à pólvora. Novos estados surgiram de chefias que controlavam os caminhos para o mar e outros se consolidaram e expandiram, muitas vezes sobre a base de um intenso sentimento nacional.
Na África, sempre houve nações, como as definiu Renan: povos unidos pelo sentimento de origem, e língua, história, crenças, desejo de viver em comum e igual vontade de destino. E sempre houve noções que se cristalizaram em estados. Basta lembrar Gana, construída pelos soninquês, e o Mali, com seu núcleo mandinga. Mas o preconceito teima em chamar tribos às nações africanas, sem ter em conta a realidade de que não podem ser tribos grupos humanos de mais de 60 milhões de pessoas, como os hauçás, ou superiores ou semelhantes em número às populações da Bélgica, do Chile e da Suécia, quando não, da Argentina e da Espanha. O conceito de nação podia, aliás, ser ainda mais profundo, na África, do que o enunciado por Renan. Assim no Danxomé. Mais que um estado-nação, o Danxomé era uma realidade espiritual: a soma dos tons mortos, desde o início dos séculos, com os vivos e com os que ainda haviam de nascer. A nação desdobrava-se no tempo sob disfarce de eternidade: dela e de sua representação como estado não se excluíam ancestrais e vindouros.
O sentimento nacionalista expande-se e se adensa na África do século XIX. Torna-se mais intenso em estados muito antigos, que podiam ter vários séculos de existência, como Ifé, Benim, Oió, Bornu, Uagadugu, Kano, Katsina, o do monomotapa e o do Angola a Kiluanje. Afirma-se em novos reinos, que tomaram forma e força sob o estímulo do tráfico de escravos. Como o Achanti, que se encorpara com a produção e o comércio do ouro e da noz de cola, antes de se assentar na venda da escravaria. Como Danxomé, negreiro quase que desde o seu início. Como Jalofo, Fante e Warri, que tendo surgido ou ganhado vigor do tráfico humano, continuaram a crescer, depois, com o mercadejo de dendê, marfim, cera e borracha.
Do nacionalismo surge uma nova idéia de estado. O poder em expansão não busca mais apenas submeter outros agrupamentos humanos, que lhe pagariam tributo e lhe engrossariam os exércitos, respeitando e preservando, porém, tal como sucedera nos impérios de Gana, Mali, Canem-Bornu e Songai, as estruturas sociais e os modos de vida dos derrotados. O modelo do Mali – no qual a nação mandinga se impunha sobre as demais, sem exigir dessas que abandonassem língua, religião, costumes e os próprios reis, que geralmente continuavam no mando, ainda que vassalos do mansa – passa a sofrer a competição de um outro em que, tal qual sucedera na França e viria a acontecer na Alemanha e na Itália, se tentaria aglutinar os povos dominados ao dominante, dissolvê-los e aculturá-los, para uniformizar o estado. Um estado, uma nação – este o desiderate dos zulus e dos angúnis; esta a política das estruturas de poder resultantes das guerras santas islâmicas dos fulas de Osmã den Fodio, de Seku Ahmadu e de El Haji Ornar, nas quais, para se ter as vantagens da cidadania, se tinha de ser muçulmano. Mas não apenas novos estados, como esses, aspiravam à uniformidade. Reinos antigos também ambicionaram tornar-se teocracias. E desejo semelhante de um império em que todos rezassem prostrados no rumo de Meca jamais abandonou Samori Turê.
As guerras santas na África derivaram do renascimento, na segunda metade do século XVIII, de um Islame fervoroso e militante, de que dão exemplo os vaabitas, na Arábia, e o reflorir, no Egito e no Magrebe, do sufismo e da ordem mística e militar da Cadirija. Esta última tinha presença e influência no Sudão Ocidental, desde o fim do Quatrocentos, quando Al-Maghili andara a pregar em Bornu e na Hauçalândia, acenando com a vinda de um mahdi que imporia ao Bilad al-Sudan, o pais dos negros, o verdadeiro Islame, purificando-o de todo sincretismo e destruindo de vez as religiões pagas que com ele conviviam, como o culto dos boris entre os hauçás.
A jihad mais famosa, e a que mais interessa aos brasileiros, foi a de Osmã den Fodio, um xeque, poeta, teólogo e pensador fulo (fulani ou peul), sufista e cadirija. Nasceu ele no reino de Gobir, no norte da atual Nigéria, e criou-se num ambiente intelectualmente requintado e pleno de controvérsias, o da elite fula, minoria étnica embutida na maioria hauçá e a dever incômoda obediência a um sarqui ou rei nominalmente muçulmano, mas não estrito o bastante para ser considerado um verdadeiro crente. Para Osmã e seus amigos fulos, era escandaloso que os fiéis fossem governados por ímpios e que se reduzissem islamitas à escravidão. Instou com o soberano de Gobir para que não mais fizesse concessões ao sincretismo prevalecente na Hauçalândia, para que fizesse calar os tambores, transformando-os em manjedouras, e para que abandonasse os ritos de fertilidade da terra, que conflitavam com o Islame. Diante da recusa deste, que não podia furtar-se às práticas religiosas tradicionais em que se fundava a sua legitimidade e o seu poder, Osmã den Fodio cumpriu a sua hégira em Gudu, onde se fez imame de um pequeno estado teocrático. Em 1804, após receber, numa visão, a espada da fé do próprio fundador da ordem de Cadirija, Abdel-Cadir, que tinha a seu lado o Profeta Maomé, proclamou a guerra santa contra o sarqui de Gobir e os outros reis hauçás. Seus textos de pregação e propaganda, em árabe, fulfulde e hauçá, ganharam rapidamente as cidades e atraíram para os seus exércitos os letrados e mercadores urbanos, aos quais se acrescentaram fulas que não eram sequer moslins, pastores animistas que viviam nos arredores das comunidades amuralhadas hauçás e conflitavam com estas pelo uso da terra. A campanha tomou, assim, a feição de uma guerra que, sendo religiosa, sendo muçulmana, era também nacional, era também fulani. Em 1812, vitória após vitória, Osmã den Fodio tornou-se califa de um grande império, o de Socotô, controlado por uma aristocracia fula, que rapidamente se hauçaizou. Esse império não viria a cobrir apenas a maior parte dos territórios hauçás, mas também o norte do Iorubo, fazendo fula o que, como Ilorin, fora oió. Só os campos cobertos, os cerrados e as matas, adversários naturais da cavalaria, pararam a arremetida muçulmana. Os fulas haviam montado a cavalo, a seguir o exemplo dos hauçás, que, convertidos ao zelo de seus novos senhores, passaram a formar o grosso de suas tropas, e, a cavalo, foram vencidos em Oshogbo, em 1840, pelos exércitos de Ibadan. A revolução islâmica de Osmã den Fodio iria, porém, iludir a floresta, passar por entre o lorubo dos orixás e prolongar-se no Brasil, com as chamadas guerras dos males, na Bahia.
Nina Rodrigues percebeu com clareza que,''para apreender a verdadeira significação histórica'' dessas revoltas, era''mister remontar às transformações político-sociais que a esse tempo se operavam no coração da África''. Vinculou-as à jihad de Osmã den Fodio — a meu ver, com razão. Os poucos fulas e os muitos hauçás e iorubas recém-convertidos ao Islame, que as guerras fizeram prisioneiros e embarcaram como escravos para o Brasil, aqui prosseguiram a catequese e o sonho do califado. A essas insurreições, fossem predominantemente hauçás, como as de 1807, 1808 e 1814, iorubanas, como a de 1830, ou plurinacionais, como a maior de todas, a de 1835, em que os nagôs eram o grupo mais numeroso, entre hauçás, nupês, jejes, minas, bornus e baribas, o povo baiano deu o nome justo, porque percebeu o seu caráter político-religioso. Chamou-lhes guerras dos males, isto é, dos islamitas, pois imalê quer dizer moslim em iorubano.
Os próprios documentos por elas deixados, as rezas, as transcrições de suras e os amuletos apreendidos pela polícia, estavam escritos em árabe. Na maioria dos casos, em árabe correto e bem-ortografado, na variante do cursivo magrebino corrente entre os fulas de Osmã den Fodio e de rigor em todo o Sudão Ocidental , a mesma grafia dos numerosos grigris que Nina Rodrigues pôde ainda recolher entre negros islamitas baianos, no fim do século. Um dos textos colecionados pelo autor de Os Africanos no Brasil, embora em caracteres árabes, não pôde ser traduzido. Nina Rodrigues sugeriu que estivesse em idioma hauçá. Quem sabe se alguns daqueles escritos, em que se davam instruções para a rebelião de 1835, não estariam em ajami, isto é, no alfabeto árabe a servir de veículo ao hauçá e ao fulfulde, ou idioma dos fulas? O amuleto de que Nina Rodrigues não logrou leitura talvez fosse uma prece. Não transcreveria, porém, um versículo do Alcorão, por ser isso contrário ao que pregava Osmã den Fodio. Este escreveu em hauçá sermões em verso. E houve um certo momento em que começou a verter para aquele idioma o Alcorão. Não deu, porém, prosseguimento à tarefa, persuadido de que não lhe cabia traduzir as palavras ditas por Deus a Maomé, e de que o livro santo deveria ser mantido na língua em que Alá o ditou.
Consta que as ordens para a rebelião baiana de 1835 foram dadas por um imame, limamo ou limanu, de nome Mala Abubacar, que teria sido enviado de volta à África. Da revolta participaram outros alufás, marabus ou mallans, entre os quais um tapa ou nupê, um hauçá e, dono de enorme prestígio, um nagô. Como os libertos formavam grande parte dos revoltosos — 126 daqueles contra os quais se apresentaram acusação eram negros emancipados, enquanto que 160, escravos —, muitos deles devem ter voluntariamente regressado à costa africana, enquanto outros se beneficiaram da medida governamental que comutou em banimento para a África a pena dos condenados à prisão. Estaria entre esses últimos, protegido pelo silêncio dos correligionários, o imame Mala Abubacar? Teria sido ele o primeiro chefe religioso dos maometanos brasileiros em Lagos?
Os escravos e libertos que promoveram as chamadas guerras dos males encontravam-se, na Bahia, na mesma situação — intolerável para um islamita zeloso e pio — de Osmã den Fodio e seus companheiros em Gobir: sob o jugo de infiéis. Os que eram livres tinham o governo do Império do Brasil por ilegítimo, uma vez que não se fundava na crença e no direito islâmicos; os cativos não podiam aceitar de forma alguma sua condição, em tudo contrária à lei divina, pois, para o Islame, só o incréu pode ser escravizado.
Antes da chegada dos libertos brasileiros e dos sarôs (ex-escravos redimidos pelos ingleses e postos como colonos na Serra Leoa), já havia grupos de islamitas em Lagos, Badagri e outros pontos do sul do lorubo. Se entre esses se contavam alguns nagôs, a maioria era formada por gente estrangeira, por uns poucos mercadores e muitos escravos hauçás, nupês e bornus. Sobretudo após a revolta de Ilorin contra Oió, na passagem do século, e sua posterior incorporação ao império fulahauçá de Socotô, cuja expansão para o sul aterrorizava os iorubas, esses diminutos grupos de moslins viram-se, no sul da atual Nigéria, discriminados, expulsos ou perseguidos, rezando e cumprindo, quase sempre em segredo, as suas obrigações religiosas. A chegada de muçulmanos da Bahia, do Recife, de Fourah Bay e de Foulah Town aumentou-lhes o número — e o número dos que eram, embora imigrantes, muçulmanos iorubas — e emprestou a Islame até então menosprezado o lustro de dois grupos, os sarôs e os agudás (ou brasileiros), que se faziam cada vez mais prósperos, porque tinham intimidade com ofícios e profissões, adquiridas no Brasil ou na Serra Leoa, crescentemente necessárias às cidades litorâneas, onde a influência européia se ia impondo. Eles praticavam abertamente a sua crença e construíram as .mais antigas mesquitas de Lagos. A própria Mesquita Central, até há bem pouco de pé, foi iniciada por um mestre-de-obras brasileiro, João Baptista da Costa, e concluída por seu discípulo sarô Sanusi Aka.
Se o primeiro imame-em-chefe de Lagos, Idris Salu Gana, foi um hauçá, possivelmente vindo do norte, e se os muçulmanos africanos viam com certa desconfiança os que se tinham convertido do outro lado do Atlântico, cedo os brasileiros passaram a figurar entre os principais dignitários islamitas. E continuam, até hoje, a contar entre eles. Em 1983, quando deixei Lagos, o imame-em-chefe da cidade, El Haji Liadi Ibrahim, era descendente, pela linha materna, de brasileiros, e disto se orgulhava.

terça-feira, 13 de julho de 2010




O mundo, ao longo da história, passou e ainda passa por várias modificações, algumas naturais outras provocadas.

Nos últimos dois séculos o mundo se alterou muito rápido, tudo para suprir as necessidades de uma população em franco crescimento e atender as indústrias de matéria-prima que advém da natureza, configurando uma dinâmica diferente no espaço geográfico.
No que se refere ao processo de industrialização, o mundo, as civilizações e as sociedades se industrializaram em etapas e ao longo das décadas da seguinte forma: Primeira, Segunda e Terceira Revolução Industrial.

Os principais acontecimentos na Primeira Revolução Industrial foram a invenção da máquina a vapor movida a carvão mineral, que desenvolveu principalmente a indústria têxtil, e a locomotiva a vapor, favorecendo o transporte como fonte de distribuição de mercadorias.
As indústrias brasileiras estão conscientes da necessidade de adotarem práticas de gestão ambiental e pretendem ampliar seus investimentos destinados à proteção do meio ambiente. Não obstante, a grande maioria das empresas vem enfrentando dificuldades na relação com os órgãos ambientais face à necessidade de se cumprir exigências ambientais por vezes inadequadas sob o ponto de vista da aplicabilidade técnica e dos aspectos de sustentabilidade econômica.

Meio Ambiente
O meio ambiente, comumente chamado apenas de ambiente, envolve todas as coisas vivas e não-vivas ocorrendo na Terra, ou em alguma região dela, que afetam os ecossistemas e a vida dos humanos.O conceito de meio ambiente pode ser identificado por seus componentes:

* Completo conjunto de unidades ecológicas que funcionam como um sistema natural sem uma massiva intervenção humana, incluindo toda a vegetação, animais, microorganismos, solo, rochas, atmosfera e fenômenos naturais que podem ocorrer em seus limites.
* Recursos e fenômenos físicos universais que não possuem um limite claro, como ar, água, e clima, assim como energia, radiação, descarga elétrica, e magnetismo, que não se originam de atividades humanas.

O ambiente natural se contrasta com o ambiente construído, que compreende as áreas e componentes que foram fortemente influenciados pelo homem.

Industrialização e o Meio Ambiente